Autor – Rostand Medeiros, baseado em textos dos capítulos do livro: “Nobrezas de Vida Agreste” escrito por Haroldo Pinheiro Borges e Cláudia Bezerra Pacheco.
Sob muitos aspectos o nosso trabalho desenvolvido desde dezembro de 2010 no nosso blog TOK DE HISTÓRIA, tem chamado a atenção de muitas pessoas aqui no Rio Grande do Norte. Estas por sua vez gentilmente têm me passado informações sobre interessantes locais, pessoas e fatos da história potiguar. O que faço questão de colocar nesse nosso espaço sem nenhum problema.
Recebi recentemente do amigo Haroldo Pinheiro Borges algumas interessantes fotos de uma antiga fazenda produtora de algodão do interior potiguar e muito bem preservada. Trata-se da casa grande da fazenda Bom Destino, na zona rural do município de Lagoa de Velhos, a cerca de 90 quilômetros da capital potiguar.

NAS TERRAS ONDE NASCEU FABIÃO DAS QUEIMADAS
A casa grande da fazenda Bom Destino está localizada em terras que anteriormente faziam parte de uma antiga fazenda denominada Queimadas. Esta propriedade pertenceu em tempos remotos ao coronel José Ferreira da Rocha e no ano de 1850 ali nasceu um escravo que foi batizado como Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha. Este ficou conhecido como Fabião das Queimadas, um dos mais importantes poetas populares do Rio Grande do Norte e que conquistou sua alforria tocando o instrumento que lhe imortalizou, a rabeca.
Francisco Pinheiro Borges, conhecido por Chicó de Ieiê, veio ao mundo no dia 05 de setembro de 1900, na fazenda Pirambu, município de São José de Mipibu. Era filho de João Batista Pinheiro Borges, conhecido como Ieiê, e de Dona Joana Ferreira de Lima. Seus avós paternos eram José Pinheiro Borges e Rosa Maria da Conceição e os maternos, Pedro Ferreira de Lima e Maria Izabel de Paiva, donos da Fazenda Japecanga, localizada no município de São José de Mipibu. Chicó de Ieiê teve quatro irmãos do primeiro casamento de seu pai: Lídio, Anália (Sinhá), Clotilde (Dona) e Joana.
Infelizmente, no dia 05 de setembro de 1905, o garoto e seus irmãos ficaram órfãos da mãe Joana Ferreira de Lima.
Chicó de Ieiê foi uma criança irrequieta, inteligente e saudável. Teve a sua criação um pouco diferente dos outros irmãos, pois começou a vida no trabalho. Com apenas dez anos veio para companhia do pai, que morava com a segunda esposa na antiga povoação de São Paulo do Juremal, então município de São Gonçalo do Amarante. Aí chegando assumiu a responsabilidade da casa, cozinhando e cuidando dos afazeres domésticos e ainda com a incumbência de tratar dos cavalos que seu Ieiê comprava para adestrá-los como bons marchadores (o que valorizava muito os animais) e vendê-los caros para a elite daquela época.
DE QUEIMADA A BOM DESTINO
Tempos depois, em 1914, seu pai adquiriu uma área que fazia parte das terras da antiga fazenda Queimadas. Esta gleba tinha uma ligação com Guarará, atual município de Lagoa de Velhos, na época pertencente ao município de Santa Cruz. Foi adquirida ao Sr. Miguel Rocha e sua mulher Izabel Ferreira da Rocha, herdeiros do coronel José Ferreira da Rocha. Chicó de Ieiê trabalhou duro na agricultura limpando a terra com a enxada, para ajudar seu pai a pagar as duas primeiras partes do sítio.

Logo depois trocou essa tropa de jumentos por uma de burros mulos, animais maiores, mais rápidos e próprios para transportar suas cargas, que nesse estágio tomavam grandes proporções e novo rumo: o grande mercado de Natal. Para chegar a capital potiguar nesta época só através do porto do Rio Jundiaí, na cidade de Macaíba, embarcando sua mercadoria em pequenos barcos. Contava que para economizar dinheiro, ele mesmo transportava os pesados fardos no embarque e desembarque.

A gratidão fazia parte de sua vida. Fechava o dia com “Chave de Ouro” agradecendo a Deus por mais um dia de trabalho e os resultados alcançados.
O tempo foi passando e aos 24 anos, com dinheiro adquirido do fruto do seu trabalho, Chicó de Ieiê comprou a sua primeira propriedade. Esta igualmente ficava na área da antiga fazenda Queimadas, vizinho às terras de seu pai e pertencentes aos herdeiros do coronel José Ferreira da Rocha. Consta que em quase sua totalidade o local ainda era coberto de mata virgem. Ao lugar Chicó de Ieiê denominou de Bom Destino.

Gradativamente ele foi deixando de ser Chicó de Ieiê e passou a ser conhecido como Chicó Pinheiro.
MUDANÇAS POSITIVAS
No final da década de 1920, para dar velocidade e presteza no atendimento aos seus clientes Chicó comprou um caminhão. Tinha como motorista José Germano, seguido depois de Otávio, que se tornou um grande amigo de sua família. Esse caminhão foi o primeiro a chegar à região, tendo sido recebido com muita alegria e admiração por familiares e amigos.
Contava ele que aprendeu a ler e contar sozinho, enquanto pastoreava os cavalos nas várzeas úmidas do velho Rio Potengi. Leu a cartilha do ABC, que ensinava as primeiras letras e a tabuada com as quatro operações matemáticas básicas. Sempre que contava essa história, repetia desde a primeira letra até a última operação. Terminando com a célebre frase, em letras garrafais que se encontra na última capa da sua preservada cartilha: A PREGUIÇA É A CHAVE DA POBREZA.
Apesar da pouca instrução teve suas atenções voltadas para a cultura. Gostava da boa leitura e tinha na sua coleção a Bíblia como seu livro predileto. Recebia pelo correio a revista Almanaque do Pensamento que tratava de assuntos relativos à astrologia, agricultura, pecuária, tábuas lunares e planetárias. Gostava de romances como O Conde de Monte Cristo, O Corcunda de Notre-Dame, As Profecias de Nostradamus e muitos outros.
Muito observador, Chicó Pinheiro passou a ler livros de boas maneiras e sobre etiqueta. Sabia da importância existente na sua sociedade no tocante a apresentação pessoal e como tratar as pessoas. A figura grosseira do matuto ia ficando para trás e ele foi se transformando em um homem elegante, cordial e bem-educado. Estava sempre visando boas mudanças para si mesmo.


Logo em seguida, em 1930, edificou uma casa grande, moderna para a época, com uma cumeeira de 6.50 metros para oferecer uma boa ventilação. A vivenda ficou situada no topo de uma pequena colina, voltada para o nascente e distante apenas de uns 350 metros casa do seu pai.
ELA VEIO DE ACARI
Alimentava um sonho recorrente de só casar com moça rica e prendada, transformando este sonho em um dos seus objetivos definidos.
Neste período Chicó Pinheiro já gozava de grande prestigio entre os políticos e homens de negócios do Rio Grande do Norte. Entre eles Dinarte Mariz, João Francisco da Mota, Florêncio Luciano, Rainel Pereira, coronel João Medeiros, José Evaristo de Araújo, José Braz de Albuquerque, Juvenal Lamartine de Faria, José Varela, Stoessel de Brito e tantos outros com os quais se encontrava nos escritórios das grandes empresas compradoras e exportadoras de algodão em Natal.
Como ele, muitos moravam no interior do estado, em suas fazendas ou cidades e como eram poucas as opções de hospedaria na capital, normalmente estes homens se albergavam nos mesmos hotéis ou pensões. Nestes ambientes as refeições eram muitas vezes compartilhadas por um grande grupo, onde sempre havia um bom momento para se fazer novas amizades, falar de negócios, preços e sobre o comportamento do mercado. Foi assim que no escritório da empresa Wharton Pedrosa, Chicó Pinheiro conheceu a mulher encantada de seus sonhos, Josepha Bezerra Araújo.

Chicó Pinheiro tomou informações sobre a jovem Josepha e disse para si mesmo: “Lamberei uma rapadura e casarei com esta jovem”.
A Jovem estava acompanhada da mãe Cipriana Bezerra de Araújo, viúva do agropecuarista e industrial acariense Joaquim das Virgens Pereira. Dona Cipriana percebeu os olhares e já buscou junto ao Sr. Fernando Pedrosa, diretor geral da firma Wharton Pedrosa, informações sobre Chicó Pinheiro. Ouviu do respeitado negociante que ele era um homem direito, correto, bom pagador, comprador de algodão, seu cliente fiel e confiável.

Aí Chicó Pinheiro, o matuto simpático, não deu mais trégua, Frequentou um mês inteiro a tradicional igreja de São Pedro, no bairro do Alecrim, onde Zefinha, em companhia da mãe, assistia à missa todos os dias. Logo em seguida passa a frequentar a casa da futura sogra, trazendo em algumas visitas suas irmãs como demonstração de suas boas intenções. Foi assim que Chicó conquistou a moça rica e sabida dos seus sonhos.
O “VAPOR”
No dia 16 de setembro de 1933, Chicó Pinheiro casou com Zefinha em Natal, na Rua Meira e Sá, na residência da sua sogra. O casamento católico foi celebrado pelo Padre Agostinho e o Monsenhor João da Mata Paiva ajudou. Depois da cerimônia houve comes e bebes para todos os convidados. À noite a Srta. Lourdes do Nascimento abrilhantou a festa tocando um piano que pertencia a noiva e ainda hoje está de posse da família.
Talvez tenha sido a conquista da sua esposa um dos maiores acontecimentos da vida de Chicó Pinheiro. Gostava muito de contar essa façanha, sempre em tom de brincadeira, dizendo-se um pouco decepcionado com o tamanho da fortuna da moça, pois imaginava ser muitas vezes superior a que ele havia construído em tão pouco espaço de tempo. Mas se envaidecia muito ao apresentá-la a sociedade e aos amigos, que às vezes perguntavam, se era sua filha. Ela tinha apenas 21 anos, jovem, muito bonita, elegante e letrada. Logo Zefinha assumiu a grande responsabilidade pela administração da casa e de toda a contabilidade de seu esposo.


Em 2004, o autor destas linhas teve a grata oportunidade de ver uma destas máquinas operando “a todo vapor”, em uma propriedade localizada próxima a cidade paraibana de Sousa. Foi incrível observar o seu funcionamento. Não posso deixar de comentar que o sogro de Chicó Pinheiro, Joaquim das Virgens Pereira, era amigo do meu bisavô, o também agropecuarista Joaquim Paulino de Medeiros, conhecido como Quincó da Ramada e dono da fazenda Rajada, onde também existia uma destas máquinas a vapor. Outro fato que uniu na história do Seridó estes dois antigos produtores rurais de Acari, esta no fato deles terem recebido, em ocasiões distintas, o famoso cangaceiro Antônio Silvino.

PREOCUPAÇÃO COM A EDUCAÇÃO
Os anos vão passando. Chicó Pinheiro teve grande parte de sua vida voltada para o trabalho. Sabia administrar suas economias aplicando seu capital no momento oportuno. Dizia que o dinheiro tinha que está em movimento, havendo sempre o momento de comprar e de vender. Era só observar a tendência do mercado. Por isso tornou-se um bom empreendedor na área rural, pois, estava sempre ligado aos melhoramentos das suas propriedades, através de novas aquisições de terras, realizando quando necessário desmatamentos, aquisições de máquinas agrícolas, construções de cercas, açudes etc.

Construiu na fazenda Bom Destino o “Grupo Escolar Francisco Pinheiro Borges”, com salas de aula e um apartamento anexo para servir de residência para uma professora. O Grupo Escolar foi inaugurado no dia 24 de setembro de 1965, em meio a uma grande festa. Entre os convidados estiveram presentes Monsenhor Walfredo Gurgel, que estava em plena campanha como candidato ao governo do Estado e o então governador Aluízio Alves, por quem Chicó Pinheiro tinha grande estima e admiração. Repetia sempre uma célebre frase às crianças e estudantes “O estudo é a única riqueza do mundo que não é roubada, acompanha o homem até o túmulo”.
Educou seus filhos nos melhores colégios de Natal e Recife. Ajudou na construção do Colégio São José na cidade de São Paulo do Potengi, que tinha na sua administração a Irmã Dominicia, da Ordem da Divina Providência.

No censo de 1960, foi cadastrada a casa grande com os armazéns e mais cinquenta e uma casas destinada aos moradores da fazenda Bom Destino, todas de tijolo e telha. A propriedade abrigava trezentas e vinte e oito pessoas,
UMA VIDA DIGNA
Certo dia, se sentindo muito cansado foi a Natal e depois de uma consulta ao seu médico e amigo Dr. Hellen Costa, foi por ele aconselhado para vir morar em Natal, pois seu coração estava muito crescido e não suportava mais os aborrecimentos próprios de um administrador na sua idade. Ele prontamente lhe respondeu “que seria uma grande dádiva de Deus se lá morresse subitamente, sem dar trabalho aos seus familiares”.
Ao se aproximar dos 80 anos comentava com seus familiares e amigos mais próximos que se fazia necessário realizar uma grande festa, pois sabia que ela seria a última. Assim convidou seu velho amigo, o Monsenhor Expedito de Medeiros para rezar uma missa onde ele pudesse agradecer de público a Deus pelas benções recebidas durante toda sua vida. A missa foi rezada no Grupo Escolar Francisco Pinheiro Borges, localizado na sede da Fazenda Bom Destino onde compareceu em torno de 500 convidados. Chicó Pinheiro agradeceu pessoalmente pela presença e o prazer de receber com seus familiares, em sua casa, os seus melhores amigos.

O Casal Chicó Pinheiro e Zefinha tiveram dezenove filhos, dos quais onze sobreviveram. Aqui estão nominados do primogênito ao caçula, todos com o sobrenome Pinheiro Borges: Maria das Dores casada com Ivo Ferreira Neto, Jarbas (falecido) casado com Sonia Azevedo Pinheiro, Haroldo casado com Mônica Maria Augusta de V. P. Borges; Rafael com Joana D’arc Marques de Araújo, Edda com Raimundo Dagmar Fernandes, Ana Maria com Manoel Alves Irmão (já falecido), Cosme com Maria Sonia de Azevedo Cabral, divorciado e casado em segunda núpcia com Jailda Barreto Carneiro, Eleenete casada com Pacífico de Medeiros Neto (falecido), Franklin com Vera Lopes, Maria José com Francisco Paulo e Vilma com Edvaldo Cursino Dias.
FINAL
Tenho muita preocupação com o desaparecimento gradual das antigas casas de fazenda no nosso estado. Elas são caras e difíceis de serem preservadas e muitas estão se transformando rapidamente em ruínas. Quando estas são vendidas para outras pessoas, fora dos núcleos familiares que as criou, normalmente a história do lugar cai para segundo plano e muito deste passado é esquecido. Por isso é sempre bom conhecer um pouco da história destas antigas vivendas e de quem as edificou.

Concordo com Haroldo quando ele comenta que a casa grande da Fazenda Bom Destino, pela sua beleza e pujança, serve como símbolo da época do coronelismo e da implantação da agroindústria algodoeira. Mas uma casa, qualquer casa, é apenas uma casa quando nada sabemos da história de quem ali viveu.
Por isso sou muito agradecido pela gentileza de Haroldo Pinheiro Borges, pai dos meus amigos Kacá e Eduardo (o Dado) Borges, companheiros dos bons tempos do Colégio Marista e do Tirol, por trazer para nosso espaço a biografia de Chicó Pinheiro e as fotos da bela Bom Destino.
Sobre outras antigas casas do Nordeste veja aqui no Tok de História –
http://tokdehistoria.wordpress.com/2011/07/08/1583/
http://tokdehistoria.wordpress.com/2011/11/23/a-restauracao-do-engenho-machado-um-exemplo-a-ser-seguido/
http://tokdehistoria.wordpress.com/2014/02/15/a-triste-situacao-da-casa-do-sabe-muito/
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Linda história. É sempre prazeroso ouvir e ler sobre pessoas e lugares. Quando as fotos eram em preto e branco, ao ficarem amareladas, no meu ponto de vista, ficam mais bonitas, justamente por remeterem os pensamentos a histórias antigas. Tenho uma parecida com a menininha sentada de cabeça baixa e por trás a casa. L. Asioli ( ou Lidia Oliveira
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